Imagine que você precisa abrir uma conta bancária, realizar a matrícula escolar dos seus filhos ou até mesmo votar. Isso tudo só é possível quando você confirma a sua identidade. É ela que diz se você tem direito, ou não, a acessar determinados serviços na sociedade.
No entanto, esse fato contrasta com a realidade das mais de 850 milhões de pessoas no mundo que não possuem nenhum tipo de identificação oficial. Essa lacuna é obstáculo significativo ao desenvolvimento humano, social e econômico, privando esses indivíduos de direitos básicos e oportunidades.
A Índia, com seu sistema Aadhaar, oferece um bom exemplo de como a identidade digital pode ser uma ferramenta importante para a inclusão, facilitando o acesso a diversos serviços e impulsionando a inclusão financeira da população.
Aadhaar: identidade confiável para o exercício pleno da cidadania
O que é?
Lançado em 2010, o Aadhaar se consolidou como um identificador único de 12 dígitos que combina dados pessoais e biométricos de uma pessoa.
Através dele, tanto o governo quanto empresas do setor privado podem identificar indivíduos com precisão, eliminando o problema de identidades falsas.
Entre outros benefícios, a medida garante que os recursos públicos sejam direcionados de forma justa e eficaz, beneficiando diretamente a população.
Rapidez, eficiência e abrangência
O Aadhaar se destaca por sua rápida implementação, tendo emitido 600 milhões de identificações em apenas 4 anos, superando significativamente a meta inicial de 100 milhões de usuários.
Essa conquista demonstra a eficiência do sistema, que oferece um custo por pessoa inferior a US$ 10, segundo estimativas do Banco Mundial. O custo total do projeto, entre US$ 10 bilhões e US$ 12 bilhões, também se destaca como extremamente competitivo para um projeto de grande escala.
A abrangência é outro fator impressionante, alcançando mais de um bilhão de pessoas, o que representa cerca de 80% da população da Índia. Essa ampla cobertura garante que os benefícios do sistema sejam acessíveis à grande maioria dos cidadãos, promovendo a inclusão social e o acesso a serviços essenciais.
A jornada pela transformação digital fez da Índia uma referência em Identidade Digital no mundo
A falta de um documento único e válido em todo o país fragmentava ainda mais o acesso a serviços essenciais e dificultava a gestão de programas governamentais.
Com uma população de 1,3 bilhão de habitantes, a realidade era ainda mais complexa: 40% não possuíam registro de nascimento, 30% eram analfabetos e 60% não tinham conta bancária.
Diante desse cenário, o Aadhaar nasceu em 2010 com a iniciativa ambiciosa de empoderar os cidadãos indianos e promover a inclusão social. Com um investimento inicial de US$ 12 milhões, a UIDAI (Unique Identification Authority of India) foi criada para liderar a implementação do projeto.
A jornada do Aadhaar não foi isenta de desafios. A implementação em larga escala em um país com a diversidade da Índia exigiu grandes esforços e soluções inovadoras. No entanto, a visão de um futuro mais justo e inclusivo para todos os cidadãos indianos impulsionou o projeto, que se tornou um marco na história do país.
Alguns fatores chave são os responsáveis pelo sucesso do Aadhaar
Coletar poucas informações e focar no problema
O sistema Aadhaar foi projetado para ser simples e acessível, coletando apenas as informações essenciais para a identificação, como nome, data de nascimento, endereço e biometrias. Essa abordagem focada evitou burocracias desnecessárias e facilitou o acesso da população ao sistema.
O sistema Aadhaar adota a autenticação multibiométrica. São coletadas as 10 impressões digitais, a íris e uma fotografia do rosto, garantindo uma identificação extremamente precisa que minimiza erros e fraudes.
Escolher um design simples e acessível
O sistema Aadhaar foi projetado para ser simples e fácil de usar, tanto para a população quanto para os parceiros envolvidos. O processo de inscrição foi simplificado, o que facilitou o acesso ao sistema para pessoas de diferentes origens e níveis de alfabetização digital.
Além disso, a UIDAI estabeleceu uma rede de mais de 35 mil postos de inscrição em todo o país através de parcerias estratégicas com bancos, empresas de telecomunicações e órgãos governamentais. A rede de alta capilaridade facilitou o acesso da população ao sistema e acelerou o processo de registro.
Focar na privacidade dos dados
A segurança e a confiabilidade do sistema Aadhaar foram prioridades desde o início. O sistema utiliza criptografia de ponta e mecanismos robustos de proteção de dados para garantir a integridade das informações dos cidadãos.
Auditorias constantes garantem que as informações sejam utilizadas apenas para fins legítimos e com o consentimento dos indivíduos. Além disso, a Lei de Proteção de Dados Pessoais da Índia (PDP Act) oferece aos cidadãos maior controle sobre seus dados pessoais.
Desenvolver todo um ecossistema digital baseado na identidade
O Aadhaar não se limita apenas à identificação individual. O sistema serve como base para diversos serviços públicos e privados, como abertura de contas bancárias, acesso à educação e saúde, e pagamento de impostos. Essa integração com diversos serviços facilita a vida dos cidadãos e impulsiona a inclusão social e o desenvolvimento econômico.
Entre 2022 e 2023, em apenas 18 meses, o volume de transações eletrônicas realizadas no país superou o total registrado em 18 anos. A explosão digital, impulsionada por uma rápida expansão do sistema financeiro e baixíssimos custos, coloca a Índia no centro das atenções das gigantes de tecnologia, que veem no mercado de pagamentos um terreno fértil para investimentos e inovações.
O futuro é interoperável: exemplos concretos de sistemas em ação
A Índia está em um caminho ambicioso para se tornar uma nação digitalmente interoperável, onde os dados possam fluir entre diferentes sistemas e plataformas, beneficiando cidadãos e empresas.
No centro dessa jornada está a API Aberta do Aadhaar, uma ferramenta que permite que empresas e desenvolvedores se conectem ao sistema de identificação único da Índia, o Aadhaar. Através da API, as empresas podem verificar a identidade de seus clientes, acessar dados demográficos e biométricos (com o consentimento do indivíduo) e oferecer serviços personalizados de forma mais rápida e segura.
Confira abaixo alguns dos avanços dos sistemas interoperáveis na Índia nos últimos anos:
1. Inclusão financeira
O Pradhan Mantri Jan Dhan Yojana (PMJDY), em tradução: Missão Nacional para a Inclusão Financeira, integra dados de diferentes bancos públicos, permitindo que os cidadãos visualizem seus saldos bancários, transações e extratos em um único portal. O sistema elimina a necessidade de visitar diferentes agências bancárias para obter informações básicas, simplificando o acesso a serviços financeiros para a população.
De acordo com dados do Governo indiano, já são 51 milhões de contas abertas, sendo 55% das titulares mulheres e cerca de 67% residindo em áreas rurais e semiurbanas. A conta PMJDY é a porta de entrada para receber todos os benefícios sociais e trouxe inclusão financeira para quase todos os adultos do país.
A população também pode contar com o UPI (Unified Payments Interface) que permite transações bancárias instantâneas através de smartphones. O UPI integra várias contas bancárias em um único aplicativo, facilitando a transferência de fundos e simplificando pagamentos. É, hoje, o sistema de pagamento mais popular do país.
2. Desburocratização de serviços
O Sistema de Gestão de Identidade Nacional (e-Pramaan) é uma maneira segura e confiável para os cidadãos autenticarem sua identidade em diferentes sistemas interoperáveis.
Ao utilizar sua assinatura digital, é possível acessar serviços e realizar transações em plataformas online de forma segura, sem a necessidade de criar várias contas ou fornecer seus dados pessoais em cada plataforma.
É possível:
- Acessar serviços governamentais online, como solicitar certidões, declarar impostos e acessar benefícios sociais, em diferentes portais governamentais;
- Assinar documentos eletrônicos em diferentes plataformas, como contratos comerciais, formulários bancários e documentos fiscais;
- Verificar a identidade dos usuários em transações digitais, como pagamentos online, compras em e-commerce e transferências de dinheiro,
Já o Sistema de Integração de Serviços Governamentais (GIGW) conecta diferentes portais governamentais, permitindo que os cidadãos acessem diversos serviços públicos em um único portal e utilizando uma única conta e senha.
3. Integração de informações
Sistema de Interoperabilidade de Saúde (SHWAS) é uma iniciativa ainda em fase inicial do governo indiano que visa integrar os registros médicos eletrônicos (RME) de diferentes hospitais, clínicas e laboratórios em todo o país.
O objetivo é facilitar o acesso dos pacientes aos seus históricos médicos completos, permitindo que médicos tomem decisões mais bem informadas e otimizando o atendimento à saúde.
O sistema ainda tem pela frente alguns desafios relevantes. A implementação exige uma infraestrutura tecnológica robusta e confiável em todo o país, o que pode ser um desafio em áreas remotas ou com infraestrutura precária. Também é necessário padronizar os processos de coleta, armazenamento e compartilhamento de dados de saúde em diferentes instituições, essencial para garantir a interoperabilidade eficaz.
A CIN tem um potencial parecido no Brasil
No Brasil, a criação da Carteira de Identidade Nacional (CIN) pelo Ministério do Planejamento também é uma iniciativa de criar uma identidade única e universal para todos os brasileiros.
Ela se torna um ponto focal para a identidade digital do cidadão brasileiro, reunindo em um único lugar dados antes dispersos em diversos bancos de dados governamentais. Essa unificação simplifica o acesso a serviços públicos, reduz a burocracia e garante maior segurança e confiabilidade na identificação individual.
Essa é mais uma iniciativa de Governo Digital que impulsiona o Brasil em direção a um futuro mais positivo para os cidadãos.